A Foice, a ferramenta da Colheita, da Proteção e da Morte.
- Cain Mireen

- 5 de ago.
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A Foice, a ferramenta da Colheita, da Proteção e da Morte.
Antes de se tornar instrumento de deuses, símbolo da morte ou artefato mágico, a foice nasceu das mãos humanas como uma ferramenta de sobrevivência coletiva. O surgimento da foice está diretamente ligado a um dos maiores marcos da evolução humana: a transição do modo de vida nômade caçador-coletor para o sedentarismo agrícola, durante o período do Neolítico, por volta de 10.000 a.C.
As primeiras foices pré-históricas eram feitas com cabos de madeira ou osso, aos quais eram fixadas pequenas lâminas de sílex ou obsidiana, dispostas em curva. Elas não eram metálicas, mas já possuíam a forma característica que marcaria esse instrumento para sempre: o arco da colheita.

Essas foices rudimentares eram utilizadas principalmente para cortar cereais silvestres como cevada, espelta e trigo ancestral (emmer). A colheita permitia o armazenamento de grãos, o que revolucionou o modo de vida das comunidades humanas, o alimento passou a ser guardado e compartilhado, e as sociedades começaram a crescer em torno de ritmos agrícolas e calendários sazonais. Essa transformação é crucial: a foice nasce como símbolo da abundância, do ciclo anual, e da interdependência entre o humano e a terra. Ela marca o nascimento da agricultura ritualizada o início da religiosidade natural centrada nos ciclos de semeadura e colheita.
Na Pré-História, as ferramentas não eram apenas objetos eram extensões do ser humano. Usar a foice para colher era um gesto sagrado, que envolvia gesto, intenção e respeito. O próprio ato de colher os grãos se dava muitas vezes com cantos, gestos ritmados e, possivelmente, bênçãos rudimentares ou invocações aos espíritos da terra. Por isso, muitos estudiosos da arqueologia espiritual acreditam que o uso ritual da foice antecede sua sacralização simbólica. Em algumas culturas neolíticas, as ferramentas de colheita eram enterradas com os mortos, indicando que o trabalho da terra e o ciclo da morte já estavam associados no imaginário primitivo.
No contexto matrifocal de muitas sociedades neolíticas, onde a Terra era vista como Mãe geradora, a foice pode ter sido associada aos ritos da Deusa, à fertilidade, à colheita e à morte como retorno ao ventre da Terra. A lâmina curva, semelhante à Lua Crescente, é visualmente semelhante a muitos dos símbolos associados ao feminino lunar arcaico.
Achados arqueológicos em regiões como o Vale do Indo, a Anatólia e a Europa Central mostram figuras femininas sentadas, segurando instrumentos curvos, que alguns estudiosos acreditam representar foices ou lunulae — símbolos que remetem ao ciclo lunar e à colheita. Esse uso vincula a foice aos mistérios do útero e do túmulo, que nas antigas culturas eram muitas vezes compreendidos como o mesmo portal: de entrada e de retorno.
Da vida agrícola para tornar-se uma ferramenta sagrada da Arte Mágica e do Trabalho Espiritual do praticante, a foice é envolvida de folclore, mistérios e praticas mágicas na qual possui um papel importante em certos festivais espirituais como Guldize que é o Festival da Colheita na Cornualha e também em muitos casos em que precisamos realizar colheita. A Foice com a sua lamina curvada e aparência simples é um dos símbolos mais antigos e enigmáticos presente na historia da humanidade. Ela possui a sua função agrícola e destaca como uma ferramenta sagrada nas mãos de Deuses e Feiticeiras.

O atributo dado á Foice é a "Morte", o fim de um ciclo, a separação e a colheita; Ela se torna uma das ferramentas agrícola mais sagrada para a época das colheitas. Nas festas da Colheita, como o Lammas ou Lughnasadh, o simbolismo da foice é central: é ela que separa o grão do joio, que oferece o pão da vida, mas também simboliza o fim do reinado solar. No Festival da Cornualha é utilizado a foice para recolher um feixe de grão para simbolizar o "Pescoço" para ser usado na celebração do ritual.
Nas tradições rurais da Europa, a foice está profundamente ligada e associada á colheita, morte e ao fim do verão com a última colheita que é feita com a foice, o último feixe colhido do campo que anuncia o fim da maré, é o inicio da parte escura do ano. Sua presença na mão do lavrador é um sinal de fartura mas também sinal de fim. O grão dourado que antes ondulava ao vento agora é ceifado, sua cabeça inclinada à lâmina, como um sacrifício. Esse gesto arquetípico do corte da espiga traz consigo o pressentimento da morte, do recolhimento e da espera pelo renascimento. Aqui encontramos um mistério no caminho da Antiga Fé o Sacrifício, a foice também possui o significado de "Sacro Ofício"; Quando cortamos a haste do grão estamos cortando aquilo que nasceu para nos beneficiar através de sua morte na qual será transformado em um alimento e alimentará famílias. Nos ritos de colheita é importante a presença de uma foice no altar pois a simbologia e o mistério dessa ferramenta que nos ensina sobre "Da Morte vem a vida".
Sou um praticante da antiga e velha fé e os ritos agrícolas passam a ter um novo significado em meu caminho, quando empunho a foice em minha mão não estarei capinando um campo de milho e nem trigo, mas estarei cortando o que deve ser “cortado” em minha vida, a colheita é realizada dentro de minha alma, mente e vida. Os meus ritos de colheitas é dado pela presença de uma Foice em minha lareira que simbolizará e anunciara que o “Tempo de Colheita é agora”, O Deus de Chifres é o portador da Foice e ele que conduzirá a ceifa em meu caminho, ceifando tudo que deve ser ceifado e depois transformado para que possa de algum modo servir como aprendizado e iluminação do meu espírito e alcançar a Luz do Sabá.

A origem mais simples e primordial do significado da foice vem da vida rural camponesa, na colheita ela é usada para ceifar o grão maduro, simbolizando o momento em que a vida cumpriu seu papel e ciclo e está pronto para a transformação, aqui a foice simboliza a maturidade, a recompensa pelo trabalho e o fim do ciclo da vida e do destino. Em muitas culturas antigas o ato da colheita é sagrado e a foice como uma ferramenta agrícola e muito ligado a esse ato foi sacralizado para as divindades da terra, da colheita, dos grãos e da fartura. Sua presença está intimamente ligada ao tempo da colheita — o momento limiar entre a vida e a morte da planta.
A foice na mão do camponês torna-se um símbolo de soberania sobre o tempo da terra, mas também submissão ao ritmo natural, assim como as divindades que carregam a foice possui uma aura de respeito e até temor como Saturno o Deus da colheita.
Para o praticante de artes mágicas, adicionar a foice em seu oficio e nos ritos que deseja é preciso que a foice tenha de alguma forma ceifado a terra, pois a ferramenta tem que ser virtuosa em seu objetivo e igualmente será virtuosa em seu aspecto mágico-espiritual. Ela tem que ter fio de corte e o mesmo é referido para a faca que é instruído para o trabalho de bruxaria. Quando mais a foice ceifou a terra, melhor e a sua influencia em todos os aspectos.
Ela é a ferramenta sagrada da Deusa da Morte e do Deus Ceifador. O Velho carrega uma foice em sua mão esquerda nos ritos da Colheita, ele se torna o Deus Castanho na qual ceifa o campo de grãos para que possa alimenta seu povo com o seu próprio corpo. Mas a foice possui o seu aspecto feminino, em sua lamina curvada que assemelha o arco da lua que em certas noites é a Luz Noturna para ritos de morte, maldições e arte do Maleficium. A Deusa do meu Caminho possui em sua mão uma foice que conecta ela a fase minguante da lua, ela recebe os atributos de morte, iniciação e sabedoria; É a mesma foice que ela limpa o campo de ervas daninhas, é a mesma foice que ela realiza a Sagrada Colheita de Ervas.
Na tradição druidica a foice é usada para realizar a colheita do visco sagrado, foice pequena podem ser consagradas como ferramenta de colheita de pequenos ramos e ervas sendo assim dedicada para a Arte da Ervoaria Bruxa.

A foice corta o fio da vida. Ela é o instrumento do Ceifador (em inglês, “Grim Reaper”), que separa a alma do corpo como se fosse um talo de trigo maduro. Isso remete à ideia de que a morte não é algo cruel, mas necessária e inevitável — parte do ciclo natural. Assim como a planta colhida é transformada em alimento, a morte com a foice representa transmutação da consciência, renascimento espiritual, ou retorno à terra.
Em revoltas populares, era a arma improvisada do povo contra os senhores. Assim, ela representa a força da Terra contra o poder do palácio. Por ser associada à Morte, muitos ocultistas veem a foice como símbolo da sabedoria marginalizada, do saber que nasce fora da ordem, nos campos, nas florestas, nos cemitérios. O "Velho" — arquétipo do tempo, do espírito da terra, ou da divindade ancestral — frequentemente carrega a foice como símbolo de autoridade e de fim dos ciclos.

Como uma ferramenta de corte ela é adotada de virtudes protetivas contra espíritos noturnos que causam mal e até mesmo contra a própria morte sendo a foice colocada atrás da porta ou sob a cama de algum doente. Foice de ferro pode ser usada como encanto para proteger contra as fadas, fadas mantém longe desse metal que pode causar dores no Bons Vizinhos. No folclore eslavo, deixar uma foice virada com o gume para cima atrás da porta impedia a entrada de espíritos malignos ou visitantes invisíveis. No sul da Itália, e também em Portugal, acreditava-se que pendurar uma foice com a lâmina virada para baixo no celeiro afastava feitiçarias e impedia que o “mau-olhado” estragasse a colheita.
A foice, por ser associada à Morte, é paradoxalmente usada como talismã de proteção — como se a própria presença da ceifa impedisse o avanço de forças perigosas. Em partes da Escócia e da Inglaterra, dizia-se que bruxas podiam enfeitiçar campos se andassem por eles com uma foice na mão, murmurando palavras antigas. Com isso, elas "roubavam" a fertilidade da terra. Em algumas versões dos contos de fadas (como os da Cornualha), a foice encantada podia cortar fios invisíveis, destruir maldições ou abrir portais entre mundos.
Dizia-se que ouvir o barulho de uma foice caindo sozinha em uma casa ou campo era presságio de morte próxima. Em algumas regiões, não se podia deixar a foice virada para cima após o uso, pois acreditava-se que isso “convidava” a morte para vir mais cedo.
Na minha pratica especialmente quando pessoas procuram para pedir proteção ou até mesmo afastar ataques espirituais e doenças causadas por meios invisíveis é comum que eu pegue a minha foice que ganhei de presente de um lavrador na qual eu desenho um circulo no chão estando eu e a pessoa que procurou eu, enquanto nós dois estamos dentro do circulo realizo através de encantos verbais e gestos rituais com a foice cortando o corpo-espirito do cliente semelhante um "benzimento" para que possa "cortar" o mal. O praticante pode criar seus ritos e encantos que desejar atribuindo a ferramenta a qualidade espiritual.
Na Hungria e regiões vizinhas, objetos de ferro como a foice é usada para repelir feitiçarias, tempestades na qual seria lançada uma foice na direção dela durante trovões e relâmpagos e espíritos também mantendo ela atrás da porta; Na Polônia moderna e outras áreas próximas, indivíduos foram enterrados com uma foice posicionados sobre o pescoço, esse gesto considerado um "ritual" é para evitar que o morto retornasse ou causasse mal. Na bruxaria eslava, a foice é usada no ritual de "arar em circulo" que ajuda a trazer segurança e a afastar doenças; Leite era derramado sobre uma foice para ajudar a proteger contra bruxaria e remover feitiços, especialmente lançado sobre uma vaca isso é um ato de magia apotropaica.
Fonte:
The Role of the Sickle in Folklore – Astonishing Legends
The Significance of the Sickle in Romanian Folklore
Slavic Spirits and Demons: Tales of Myth, Legend, and Faith – Perun Mountain
The Triumph of the Moon: A History of Modern Pagan Witchcraft – Ronald Hutton
Marija Gimbutas – The Language of the Goddess
Jean Guilaine & Jean Zammit – The Origins of War: Violence in Prehistory
James Mellaart – Çatal Hüyük: A Neolithic Town in Anatolia
Frazer, James – The Golden Bough
Mircea Eliade – Rites and Symbols of Initiation (1958) e The Sacred and the Profane
Emma Wilby – Cunning Folk and Familiar Spirits
Robin Artisson – The Witching Way of the Hollow Hill
Nigel Pennick – The Pagan Book of Days
Hans Jonas – The Gnostic Religion
Margaret Murray – The Witch-Cult in Western Europe
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